Cultura orientada a dados: uma transformação profunda e necessária


Uma questão frequente que vem à minha mente, após observar a profusão de conteúdo gerado nas empresas, na internet, nos dispositivos que carregamos, em todos os sabores, formatos e tamanhos: como realmente usar este conteúdo de forma útil e inteligente pra fazer a nossa vida melhor?

E esta “vida melhor” é algo no qual as empresas que nos relacionamos também estão pensando. Isto vem em forma de recomendações, ofertas, insights, previsões, prescrições e ainda mais conteúdo, mais DADOS.

E com este cenário de utilizar os dados como vantagem competitiva nos negócios, algo já não tão recente, mas que se popularizou muito com termos como Ciência de Dados, Data Lakes, etc. além das inúmeras situações amplamente difundidas onde observamos o poder dos dados como um propulsor, positivo ou negativo, no processo de tomada de decisões e no acompanhamento de performance, me pergunto: E como as pessoas, sim aquelas que querem uma vida melhor pra si próprias e para os clientes que elas atendem, podem contribuir para que uma organização seja, de fato, orientada a dados? A resposta é: observando, implantando e disseminando uma CULTURA orientada a dados. 

Confesso que devido ao meu skill e background mais técnico, percebi algumas vezes na carreira, enquanto trabalhava em projetos que envolvia dados ou analytics, que alguns dos elementos não se encaixavam, por mais que tecnologicamente falando, a solução se apresentasse a adequada para o momento. E após apanhar (muito), percebo que realmente o componente CULTURA é a chave-mestra que pode destravar muitas destas situações e promover este encaixe entre solução tecnológica, pessoas envolvidas e os processos que as utilizam.

Introdução

Com o objetivo primário de tentar traduzir o que é a cultura data-driven, trago uma visão compilando o que os especialistas de mercado pensam do tema, quais os pilares e desafios para implementar esta cultura e minha percepção sobre como a cultura orientada a dados têm permeado algumas organizações e como ela transforma a cultura da organização como um todo.

Pra começo de conversa, trago duas pesquisas que dão uma dica de quais os principais aspectos que devem ser considerados para que uma organização se torne data-driven.

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Como pode ser visto acima, existe um padrão a ser observado. Não é a tecnologia em si que mais impede a organização a ser data-driven. Na verdade, há uma vasta quantidade de tecnologias e soluções que cobrem todo o pipeline de dados, desde a captura até o storytelling. Mas é vital que as pessoas da organização saibam usar a tecnologia voltada a dados e analytics e antes disso, entendam como que os dados podem impactar o negócio, suas atividades diárias e melhorar o processo de tomada de decisão.

Organizações Data-Driven

Como se caracterizam as organizações data-driven? O que comem, como vivem, como se locomovem?

Condensei alguns conceitos para o que entendo de uma organização data-driven:

  • Trata o dado como um capital (um ativo) e prioriza seu uso nas funções de negócio: Isto significa que os insights, tomada de decisões, processos sejam baseados em dados. Que os dados sejam a principal fonte para as funções vitais para o negócio. E que as intuições, que muitas vezes são priorizadas nas decisões, possam sim fazer parte do processo, mas por que não transformar estas intuições também em dados e não fiquem em silos ou na cabeça de algumas poucas mentes da organização?
  • Empodera seus colaboradores através de informações chave provenientes dos dados e que estejam alinhadas com a experiência de trabalho: Se eu pudesse resumir em uma palavra, a mesma seria Democratização. A partir do momento que os colaboradores da empresa têm um acesso mais transparente, seguro e facilitado aos dados que necessita para seu processo de trabalho, há uma tendência natural de que o trabalho resultante destes colaboradores gere dados confiáveis que vão retroalimentar a organização.
  • Incorpora uma cultura de dados: Uma cultura que agregue pessoas, processos e tecnologias, mas que sobretudo esteja totalmente alinhada com a cultura da organização. Vamos falar mais disso a seguir.

Pra finalizar esta introdução sobre organizações data-driven, duas provocações.

Quais as principais implicações de não ter uma cultura Data-driven na organização, conforme estudos da Mckinsey e Gartner?

  • Menor performance
  • Decisões ruins
  • Menos inovação, pois muito da inovação é direcionada pelos dados 
  • Perda de talentos, pois estes querem trabalhar em empresas com cultura Data-Driven

E uma outra provocação: Fazendo uma analogia ao mundo extremamente digital em que vivemos, como você se sente quando precisa ficar sem seu celular por alguns dias? E se levarmos esta mesma pergunta para o conceito de organização data-driven? Como uma empresa se sentiria se perdesse o acesso a todos os seus dados por 1 dia? E por uma semana? 

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O gráfico acima é uma paródia, mas mostra que quanto mais ela trata os dados como ativo e um capital pra sua tomada de decisões e seus processos de negócio, mas difícil fica trabalhar somente com intuição para o que é vital e importante para manter sua organização em pleno funcionamento.

A Cultura Data-Driven

Agora tratando especificamente do tema do artigo, quais as principais características da cultura data-driven, como elas se conectam com a cultura corporativa e quais as principais ações que tangibilizam sua implantação?

De modo geral, a cultura data-driven é uma cultura que:

  • Compreende a essência de dados e analytics e como ambos podem ser efetivamente usados no negócio da organização
  • Empodera os membros da organização para usar dados no sentido de elevar a qualidade das suas tarefas diárias
  • Serve como um Framework que apoia os membros da organização a colaborar com o intuito de evidenciar dados como centro da tomada de decisão
  • Monitora de perto a performance da organização e seus drivers, usando dados como sua principal fonte
  • Realiza experimentos, mesmo quando não há dados suficientes. Desta forma, é possível identificar possíveis GAPs que podem ser obtidos com a obtenção e enriquecimento de dados que podem estar ocultos ou em silos, ou ainda dados que não estejam de fato disponíveis na organização
  • Transforma dados e analytics em produtos e serviços, sejam eles apenas para uso interno, mas também como forma de monetizar o negócio para o mercado
  • Conhece quais as limitações e fronteiras de dados e analytics na organização e busca formas de transpor as mesmas
  • Reconhece falhas e aprende com as mesmas, no sentido de um processo evolutivo e de melhoria contínua

Há uma conexão forte entre as características da cultura data-driven: Ela depende muito das pessoas, como se espera de toda a cultura. Mas é necessário reforçar que a implantação desta cultura não é em geral um processo top-down, apesar da importante presença da camada executiva da organização como patrocinadora e como exemplo para esta cultura.

E a cultura data-driven também tem um objetivo muito nobre, a de congregar um pensamento unificado de como usar os dados para toda e qualquer tomada de decisão, nas tarefas mais corriqueiras até as mais estratégicas. E em todos os níveis hierárquicos da organização, observando questões de autorização, segurança e privacidade. E pra isso, é necessário uma iniciativa de engajamento profundo dos colaboradores, em torno de um dos tópicos que eu considero um dos mais importantes da cultura data-driven: a alfabetização de dados (data literacy).

A alfabetização de dados é a capacidade de ler, escrever e comunicar dados em contexto, incluindo um entendimento de fontes de dados, métodos e técnicas analíticas aplicadas e a capacidade de descrever a aplicação de um caso de uso e o valor resultante. Assim como a alfabetização como um conceito geral, a alfabetização em dados concentra-se nas competências envolvidas no trabalho com dados.

Abaixo, segue uma pesquisa feita pela “The Data Literacy Project” a respeito do impacto humano da alfabetização de dados:

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Pra finalizar este tópico, quais os pilares e principais ações para a implantação de uma cultura data-driven na organização?

O primeiro pilar a ser destacado é a mudança de mentalidade dos colaboradores da organização, que passa inicialmente por estabelecer um modelo que parta da camada executiva, no sentido de disseminar a crença no uso dos dados como um fator crítico de sucesso para a tomada de decisões. A ideia aqui é que os executivos liderem por exemplo, para que a construção da cultura data-driven seja sólida e definitiva. Reforçar também o conceito de Quick-wins que traga uma visão mais imediata e objetiva dos resultados que podem ser obtidos com a implantação gradual da cultura data-driven, o que também “quebra” a possível resistência a mudanças. Ainda sobre este pilar de mudança de mentalidade, uma organização data-driven não tem medo de testar ideias, de errar, buscar novas soluções e criar um ciclo de experimentação iterativo, baseado em dados. Com isso, ela inova de forma mais ágil e sustentável.

Fortalecer as habilidades é um pilar mais focado em treinamento e coaching sobre temas de dados que são cross dentro da organização. Neste pilar é que devemos estabelecer um processo de alfabetização de dados (data literacy), que permita que os colaboradores possam ler e compreender os dados, para que possam consumir e usar os mesmos no seu dia a dia de forma eficiente e inteligente. Além disso, aprimorar as habilidades de data storytelling que irão traduzir o uso de dados de forma clara e transparente para o público, gerando insights e direcionando a ações práticas. Com isso, os colaboradores estarão aptos a combinar dados, narrativa e visuais consistentes e que sejam entendidos pelos consumidores da informação. Com novas possibilidades de uso dos dados, as organizações também precisam se estruturar para fornecer especialistas de dados para coaching e capacitação dos demais colaboradores, para que estes tenham uma experiência mais produtiva.

Com o mix de ferramentas, soluções e produtos de tecnologias que as organizações adquirem ao longo do tempo, é necessário “afiar” o kit de ferramentas para uma stack comum e unificada, o que certamente facilitará o processo de alfabetização e engajamento dos colaboradores para a nova cultura. Neste sentido, o conceito de SVT (Single Version of Truth) torna-se imperativo, com o propósito de criar uma visão e linguagem comum para os dados da empresa, de forma que as decisões de qualquer área seja tomadas com base em informações confiáveis e únicas. Outro tema que tem sido trazido à tona com frequência é o empoderamento de usuários através de um modelo de self-service analytics, permitindo uma democratização de dados e ferramentas que permitam a extração de análises customizadas por quaisquer colaboradores da organização e não apenas pelos analistas e cientistas de dados. Mas pra que este modelo de self-service funcione com sucesso e promova um real engajamento dos colaboradores, é necessário que estas ferramentas possuam funcionalidades intuitivas de automação que reduzam a complexidade de tarefas que exijam perfis mais técnicos, bem como integração com processos e sistemas que os colaboradores já utilizem em seu dia a dia.

O último pilar trata da solidificação dos datasets, com foco na qualidade e relevância dos dados para a organização. Neste pilar vemos a importância do alinhamento da cultura data-driven com a estratégia da organização, de forma que todos os pilares anteriores tenham convergência para o que empresa almeja em termos de metas de performance e posicionamento de mercado. Desta forma, é importante que os executivos responsáveis pela estratégia comuniquem de forma transparente e na frequência adequada, os direcionamentos e prioridades que a organização está tomando, para que todas as bases da cultura data-driven possam se adaptar rapidamente a estas mudanças. Também é importante buscar e implementar um modelo de referência para governança de dados, que trate de questões como propriedade, proveniência, linhagem, bem como outros aspectos que possam garantir que os dados possam ser acessados nos formatos corretos, com qualidade e pelas pessoas certas. Assim como há um alinhamento da cultura data-driven com a estratégia da organização, a governança de dados deve “conversar” com as áreas de governança corporativa e compliance, mas sem comprometer a democratização do uso de dados pelos colaboradores. Destaco finalmente, de forma especial, aspectos de governança ligados à segurança e ética no uso dos dados, onde temas como privacidade, viés e transparência devem ser endereçados, especialmente com dados de clientes. Com a consolidação de leis voltadas à proteção de dados, como a LGPD (no Brasil) ou GDPR (na Europa), as organizações devem estar ainda mais atentas quanto aos mecanismos que mantém os dados sensíveis de forma segura, evitando exposições indevidas, que não apenas geram multas ou sanções, mas comprometem drasticamente a imagem da organização perante a sociedade.

Conclusão

Remetendo ao início do artigo, eu comentei sobre como usar os dados pra uma vida melhor e percebo que, de fato, uma cultura orientada a dados pode apoiar as organizações a nos trazer este conceito que parece “abstrato”, mas invade nossos celulares, computadores, TVs e nossa atenção todos os dias.

Mas implantar uma cultura não é um trabalho simples e exige muito jogo de cintura por parte da camada executiva, que precisa conectar os colaboradores para um senso comum de como o uso inteligente dos dados influencia positivamente as “engrenagens” que fazem com a organização possa evoluir e crescer, com decisões assertivas e que venham de uma verdade comum e conhecida por todos.

E analisando um pouco do histórico da minha vivência em projetos de dados, percebo que as organizações possuem diversas características típicas de que uma cultura data-driven é possível de ser implantada, mas há pelo menos dois aspectos que travam um pouco esta iniciativa.

O primeiro é a existência dos silos de informações que ocorrem nas áreas das empresas, pois se os dados são um ativo valioso pra empresa, às vezes os colaboradores desta área acham importante ter parte deste ativo escondido numa arca. Pra isso, é importante se estabelecer uma Single Version of Truth e um processo estruturado de democratização de dados, para que este tesouro escondido possa ser exposto e que os colaboradores não se sintam ameaçados, mas sim empoderados em construir e compartilhar conhecimento e gerar assim resultados positivos para a empresa.

O segundo é a ausência de um processo de alfabetização de dados, que por si só já possui um arcabouço de disciplinas e competências a serem tratadas e customizadas para cada perfil da organização. Neste sentido, as áreas de desenvolvimento de pessoas das organizações devem ser envolvidas neste processo, pois em geral elas já possuem um mapeamento prévio das competências do time, direcionando melhor quais aspectos devem ser priorizados e explorados para cada perfil. A alfabetização é um processo que requer o uso de uma linguagem adequada, uma mensagem muito clara e uma conexão muito próxima com o propósito da organização e precisa ser alimentada de um mecanismo de melhoria contínua, para manter e melhorar sua efetividade.

E você, como têm vivenciado a cultura data-driven em sua organização? 

Teve alguma experiência que possa complementar ou até contrapor o que foi escrito aqui? 

Feedbacks, sugestões e críticas serão realmente muito bem-vindos, pois meu objetivo é aprender cada vez mais com o tema.

Fulvio Mascara:

https://www.linkedin.com/in/fulviomascara/

#datadriven #dataliteracy